segunda-feira, 8 de junho de 2015

Le Corbusier e a Trindade da Luz


Em seus três edifícios sagrados, Le Corbusier manipulou magistralmente a orientação, as aberturas e as texturas para criar uma arquitetura cinética com a luz natural. Sua capela de peregrinação em Ronchamp, o Convento de La Tourette e a igreja paroquial de Saint-Pierre, em Firminy, revelam abordagens distintas e individuais que criam espaços contemplativos através do uso da luz. Em seu livro“Cosmos of Light: The Sacred Architecture of Le Corbusier", Henry Plummer, professor emérito da Universidade de Illinois, analisa esses projetos através de fotografias feitas há mais de 40 anos e uma escrita brilhante.




A luz tem sido associada à divindades e santidades em muitas religiões. No cristianismo, a Bíblia fala de Deus, que "é a luz" ou Cristo como "a luz do mundo". Mesmo que luz divina e luz visível não sejam a mesma coisa, a luz visível se mostra como a mais similar à celestial, unindo, assim, os dois mundos. Cada nova era criou uma linguagem própria de luz: O brilho da abside do romantismo, o brilho dourado dos mosaicos bizantinos ou as paredes luminosas dos vitrais góticos. Como um artista e arquiteto, Le Corbusier expressa uma sensibilidade excepcional para a interação de cores e luz em seus edifícios sagrados. Sua posição como um agnóstico declarado parece muito ambivalente quando combinada com o seu desejo de abrir a alma para o reino da poesia.




Estudar os edifícios sagrados de Le Corbusier por mais de quatro décadas levou Henry Plummer a um profundo fascínio pelo poder transformador da luz: "Em vez de servir como um instrumento de persuasão religiosa, como geralmente fazia no passado, a luz se tornou uma força silenciosa para resistir e iludir visualmente, corroer e ofuscar a ordem da Igreja. A luz corrói e enfraquece a disciplina institucional, ao passo que exerce seus poderes próprios para atentar ao céu e suas maravilhas - Le Corbusier usava a luz para consagrar o universo natural.



A principal característica da Capela de Notre Dame du Haut em Ronchamp (1950-1955),segundo Plummer, vem do círculo contínuo de eventos solares. O sol nascente ilumina a alcova da capela lateral e faz do vazio pintado de vermelho ainda mais vermelho. Para Plummer esta luz da manhã avermelhada é uma clara analogia ao nascimento humano. Mais tarde, o sol inunda a abertura alta entre as paredes leste e sul, com os raios de luz através das cavidades profundas da parede sul. A pequena fissura horizontal de 10 centímetros desprende o teto da parede e cria um contraste em relação ao brilho do brise vertical, no canto sudeste. O ciclo termina no pôr do sol, com um brilho a partir de uma abertura em outra lateral da capela.



O trabalho da luz em La Tourette é mais complexo e disperso em comparação ao de Ronchamp, comenta Plummer. O Convento de la Tourette, em Éveux-sur-l’Arbresle (1953-1960), com sua geometria retilínea, encarna um contraponto claro às formas poéticas de Ronchamp e Firminy. O fato de todos os corredores terem um lado aberto voltado para um dos quatro pontos cardeais cria experiências lumínicas diversas. Além disso, os corredores são distinguidos com diferentes aberturas. O ritmo irregular de luz e sombra surge como uma composição musical, afirma Plummer, quando observa o corredor para o átrio: "Ao contrário dos ritmos repetitivos de janelas e colunas em igrejas tradicionais, esses ritmos fluentes são esporádicos, com base em intervalos de luz e transparência que gradualmente comprimem-se e expandem-se em ondas. As batidas amorosamente ritmadas têm entonação e fluxo de música - não música orquestrada, mas sons de canto, cujos tons ajudam as pessoas a entrarem em um estado contemplativo ".



O destaque da coreografia lumínica na igreja de La Tourette começa com o pôr do sol. Uma fenda no topo da parede oeste desenha linhas ao longo das paredes laterais. A parede norte conecta as duas linhas douradas e com o sol se pondo a linha se move lentamente para cima. A atmosfera dramática aumenta até o momento em que a luz dourada atinge a cobertura inclinada e as ranhuras no teto de lajes pré-fabricadas. Este efeito muda de acordo com as estações do ano - formando um pequeno triângulo no inverno e um grande retângulo no verão, quando o sol atinge sua intensidade máxima.



A cenografia na igreja de Saint-Pierre em Firminy (1960-2006) é organizada em três atos. As pequenas janelas na fachada leste criam pontos de luz no chão que, com o passar do tempo, misteriosamente, se transformam em ondas de luz. Estas ondas sobem e descem suavemente com o curso do sol. Elas criam um padrão surpreendente sobre todas as três paredes de frente para o altar. Cilindros de policarbonato com sulcos concêntricos causam este efeito impressionante de ondas. O padrão luminoso apareceu inesperadamente para o cliente quando os cilindros foram montados na parede de concreto. Plummer aponta que Le Corbusier não poderia ter previsto esse fenômeno - a própria construção do edifício foi realizada anos após sua morte - mas sabe-se que ele apreciava, e muitas vezes incentivava, acidentes na construção, especialmente quando eles melhoravam o caráter do edifício.



Por volta do meio-dia, as ondas de luz desaparecem e a luz do sol a partir de dois tubos em ângulo no telhado acaba com a escuridão através de feixes bem definidos. Em dias nublados, dois véus luminosos suaves surgem nas paredes. Com a aproximação do pôr do sol, uma luz dourada entra na igreja e atinge a parede do altar. Um canhão de luz retilíneo projeta a luz solar intensa para a parede interior, enquanto que um céu azul cai suavemente pelas janelas estelares. Aqui, cenas cósmicas de dia e de noite aparecem misteriosamente em conjunto.



As técnicas de luz de Le Corbusier emergem como uma linguagem multifacetada para consagrar seus edifícios sagrados. Suas camadas dinâmicas de luz transcendem os volumes estáticos da construção - um ciclo cósmico que muda com o decorrer do dia, ano e com um céu claro ou nublado. Seus elementos estruturais vão desde pequenas aberturas até grandes tubos, mas mesmo pequenas, as intervenções são usadas para gerar notáveis padrões de luz que refletem o poder cósmico. Le Corbusier expressou sua consciência do poder cósmico da luz em sua síntese pessoal através do "Poema do Ângulo Reto" (Le poème de l’angle droit de 1955, traduzido para o Inglês por Henry Plummer).

fonte: http://www.archdaily.com.br/

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